Entrevista | Superintendente José Carvalho Figueira, Comandante da Polícia Municipal de Lisboa

Fotos: Francisco Melim | Texto: Sofia Julião

DESDE OUTUBRO DE 2023, A POLÍCIA MUNICIPAL DE LISBOA TEM UM NOVO COMANDANTE: O SUPERINTENDENTE JOSÉ CARVALHO FIGUEIRA. COM UMA CARREIRA DEDICADA AO SERVIÇO PÚBLICO E À SEGURANÇA, E UMA PASSAGEM MARCANTE PELO COMANDO DISTRITAL DE LEIRIA DA PSP, LIDERA AGORA A POLÍCIA MUNICIPAL NUM MOMENTO DE RENOVAÇÃO E REFORÇO DA SUA PRESENÇA NA CIDADE. EM ENTREVISTA AO NOTÍCIAS DE CAMPOLIDE, PARTILHA O BALANÇO DO SEU MANDATO, OS PRINCIPAIS DESAFIOS E A VISÃO PARA O FUTURO.

NC – Quase dois anos após assumir o comando da Polícia
Municipal de Lisboa, que balanço faz do trabalho desenvolvido
até ao momento?

JCF – O balanço é muito positivo, porque encontrei um conjunto de pessoas altamente motivadas e qualificadas, que nos permitiram obter resultados extraordinários. Ao longo destes dois anos, tenho feito alguns reajustes para colocar as pessoas certas nos lugares certos, respondendo às áreas prioritárias. A Polícia Municipal tem um trabalho muito dinâmico, tal como a própria sociedade, e precisa de ser flexível para dar resposta rápida às solicitações dos munícipes.

NC – Quais foram as suas prioridades no início do mandato e como tem a Polícia Municipal ajustado a sua atuação às exigências mais urgentes, como ruído, estacionamento abusivo ou ocupação do espaço público, numa cidade em constante transformação?

JCF – Temos vindo a obter resultados muito positivos na fiscalização e regularização do trânsito, dos veículos de animação turística — sobretudo nas zonas históricas — e no combate ao aumento exponencial da venda ambulante ilegal, onde triplicámos as apreensões. Tudo isto — desde a ocupação indevida do espaço público à atuação de veículos irregulares — contribui para uma perceção de desordem e insegurança. A Polícia Municipal tem aqui um papel fundamental na resposta imediata e na reorganização da cidade, correspondendo às justas expectativas dos cidadãos.

NC – Que desafios específicos identifica atualmente no contexto urbano de Lisboa, sobretudo no que diz respeito à segurança e ordem pública?

JCF – Lisboa é uma cidade habitada por quase um milhão de pessoas e recebe, diariamente, cerca de dois milhões de visitantes. A isto soma-se o impacto crescente do turismo e da imigração, que se intensificaram nos últimos anos. Estes fatores representam desafios significativos para as forças de segurança, em especial para a Polícia Municipal, que, com os meios disponíveis, procura responder de forma eficaz através do policiamento comunitário, acompanhando de perto fenómenos emergentes e atuais.

JCF – Lisboa é uma cidade habitada por quase um milhão de pessoas e recebe, diariamente, cerca de dois milhões de visitantes. A isto soma-se o impacto crescente do turismo e da imigração, que se intensificaram nos últimos anos. Estes fatores representam desafios significativos para as forças de segurança, em especial para a Polícia Municipal, que, com os meios disponíveis, procura responder de forma eficaz através do policiamento comunitário, acompanhando de perto fenómenos emergentes e atuais.

NC – O modelo de Policiamento Comunitário de Lisboa tem sido reconhecido internacionalmente. Que medidas têm sido tomadas para reforçar a proximidade entre agentes e população?

JCF – O nosso projeto de policiamento comunitário, implementado desde 2009, distingue-se do modelo de proximidade da PSP. Está presente em 15 territórios de Lisboa, através da criação de Grupos de Prevenção e Segurança, compostos por associações de moradores e comerciantes, Juntas de Freguesia, IPSS, orgãos e serviços da Câmara, escolas, Santa Casa da Misericórdia, entre outros. Estes grupos adaptam-se às especificidades de cada território.

Por exemplo, na Avenida da Liberdade, com pouca habitação, os comerciantes são mais ativos; em Benfica ou Campolide, o papel mais relevante cabe às associações de moradores. O sucesso deste modelo — já premiado internacionalmente — reside no envolvimento direto da comunidade na construção das soluções de segurança. A segurança não é responsabilidade exclusiva da Polícia. Todos devem participar, e por isso os territórios não podem ser encarados como espaços estanques, limitados às freguesias. A colaboração entre instituições e a flexibilidade territorial são essenciais para o êxito do projeto.

NC- Como descreve a articulação com as Juntas de Freguesia e que importância têm estas parcerias na resposta aos problemas locais?

JCF – As Juntas de Freguesia desempenham um papel essencial na segurança urbana, pois, enquanto órgãos eleitos mais próximos do cidadão, recolhem diretamente preocupações e reclamações. É através dessa articulação que os Presidentes de Junta — como o de Campolide, que exemplifica bem esta cooperação — colaboram diariamente com a Polícia Municipal, identificando carros abandonados para consumo de droga, estabelecimentos a funcionar fora de horas, falhas de iluminação pública ou de higiene urbana.

Graças ao policiamento comunitário, conseguimos encaminhar e resolver prontamente esses problemas: desde remover veículos e fiscalizar estabelecimentos até solicitar à Câmara a reparação de luminárias ou a limpeza de espaços danificados. Paralelamente, mantemos procedimentos operacionais conjuntos com a Polícia de Segurança Pública, reforçando a complementaridade das duas forças em prol da ordem pública, da prevenção criminal e, acima de tudo, da segurança dos lisboetas.

NC – A fiscalização ambiental é uma das áreas de intervenção da Polícia Municipal. Que tipos de ações têm sido desenvolvidas neste âmbito?

JCF – Em matéria de fiscalização ambiental, destaco o papel da Guarda Florestal da Polícia Municipal, com competência nos parques florestais de Lisboa — em especial o Parque Florestal de Monsanto, com cerca de mil hectares. Este território, que inclui zonas como Campolide e Benfica, é patrulhado por meios motorizados, mas também a cavalo, graças à formação específica em equitação recebida pelos 14 novos guardas florestais na Escola das Armas, em Mafra.

Estamos a reforçar competências nesta área e vamos abrir um novo concurso. O efetivo, antes envelhecido, conta agora com jovens com formação adequada para identificar e reportar crimes ambientais como derrames de substâncias perigosas, caça furtiva, fogo posto ou introdução de espécies invasoras. A presença constante em Monsanto é fundamental para dissuadir práticas ilícitas, como tráfico de droga ou outras condutas ilegais que este espaço, pela sua dimensão, pode esconder.

NC – Lisboa enfrenta desafios complexos, mas também oferece oportunidades. Que projetos gostaria de ver concretizados a curto e médio prazo?

JCF – Lisboa é uma cidade em constante transformação, moldada pelas pessoas que nela vivem, pelos turistas que a visitam e pela dinâmica dos negócios e eventos que acolhe, desde grandes competições desportivas a acontecimentos internacionais como a Jornada Mundial da Juventude.

Esta atratividade, aliada ao facto de Portugal ser considerado um dos países mais seguros do mundo, atrai também uma crescente comunidade internacional que escolhe Lisboa para viver, o que impõe novos desafios à Polícia Municipal. Entre esses desafios, há dois que considero prioritários. O primeiro é a questão dos recursos humanos. O efetivo atual da Polícia Municipal tem uma média etária elevada, com muitos agentes próximos da reforma. Sem um plano concreto para substituí-los, corremos o risco de comprometer a missão da Polícia nos próximos anos. É uma batalha diária que travo para garantir que esta questão seja resolvida. O segundo grande desafio está relacionado com o quadro legal que regula a atuação da Polícia Municipal.

Atualmente, apesar de lidarmos diariamente com situações de flagrante delito — como condução sob efeito de álcool, falta de habilitação legal, ou resistência a agente de autoridade — não temos competência legal para efetuar detenções de forma autónoma. Isso obriga à intervenção da Polícia de Segurança Pública, o que representa uma ineficiência de tempo e de recursos humanos. Além disso, temos vindo a intensificar a fiscalização da venda ambulante ilegal, especialmente na Baixa de Lisboa, onde apreendemos grandes quantidades de material contrafeito. No entanto, também aí não temos competências criminais, o que nos impede de atuar de forma eficaz. Apesar de não defender que a Polícia Municipal passe a fazer investigação criminal, acredito que deve ter competência para efetuar detenções em flagrante delito no âmbito das suas funções.

Isso traria uma resposta mais eficiente às necessidades da cidade e às expectativas dos cidadãos, que não distinguem entre os diferentes tipos de polícia — esperam apenas que o problema seja resolvido. Daqui a dez anos, estou convicto de que a Polícia Municipal terá essas competências reforçadas, tal como já acontece em Paris, Madrid ou nos países bálticos, garantindo uma resposta mais ágil e completa aos desafios da segurança urbana. Esta é, acima de tudo, a mensagem que deixo aos vereadores de Lisboa: o compromisso da Polícia Municipal com a cidade é firme, mas precisa de condições adequadas para responder aos desafios de um futuro cada vez mais exigente.

NC – Para terminar, que mensagem gostaria de deixar aos cidadãos sobre o papel da Polícia Municipal e o compromisso da instituição com a cidade?

JCF – O que quero transmitir aos cidadãos de Lisboa é que podem confiar na sua Polícia Municipal. É uma polícia motivada, que, apesar das dificuldades, está sempre disponível para responder às necessidades da população. Trabalhamos em articulação com outros órgãos, como as Juntas de Freguesia e a Polícia de Segurança Pública, responsável pela ordem pública e prevenção criminal, mas a Polícia Municipal está sempre presente. Há várias formas dos cidadãos nos fazerem chegar as suas preocupações, seja através das Juntas de Freguesia ou pelos contactos diretos da Polícia Municipal. Mesmo que não consigamos resolver um problema no momento, comprometemo-nos sempre a dar-lhe seguimento.