PÁTIOS & VILAS – VILA MOTTA

Fotos: Mariana Branco | Texto: Diana Correia Cardoso

A panóplia de cores que emanam da fachada e do interior, em contraste, ao fundo, com o branco da roupa estendida no meio do pátio, e o portão em arco sempre aberto, lançam um convite tentador a quem passa pela rua soares dos reis. Esta é uma das muitas vilas que fazem parte do património da freguesia. O Notícias de Campolide aventurou-se a passar o portão da Vila Motta para capturar as memórias e vivências de quem lá mora.

As vilas e pátios surgiram no início do século XIX, com o desenvolvimento industrial, impulsionadas pelos patrões, localizavam-se perto da fábrica ou oficina onde trabalhava o operário. Mais tarde, também muitos particulares decidiram investir na construção desse tipo de habitação. No levantamento que a Junta de Freguesia de Campolide mandou executar, cujos registos datam de 1993, registaram-se cerca de duas centenas de pátios e vilas, sem se ter a certeza de que estariam todos localizados, quando se pensava apenas encontrar duas a três dezenas. Por esta altura, a Vila Motta tinha 19 fogos particulares, que se mantiveram até à atualidade. Possuía rede de abastecimento de água e luz e esgotos.
Quando José Amadeu Figueiredo nasceu há 79 anos, o cenário era diferente. A Vila existia há 56 anos, tendo sido criada em 1887. Nasceu na Rua de Campolide e veio morar para a casa da avó na Vila Motta, onde permaneceu até aos 30 anos. Os pais alugaram o número 4. As casas eram todas de madeira, não havia luz nem casa de banho, somente uma “pequena casinha” também de madeira, à porta das habitações. O seu interior tinha uma pia onde se fazia a higiene diária. O chafariz à entrada da Vila era o local onde os moradores se abasteciam. Como alternativa, o balneário da Serafina, o Campolide Atlético Clube e o Restaurante os Arcos, antigamente conhecido como “os anões”, eram os sítios onde iam para tomar banho, principalmente aos domingos. 

Amadeu tinha 4 irmãos, havia mais 4 crianças de outro casal e mais 5 de outro. “Havia todos os dias discussão”, recorda. “As mulheres lavavam a roupa em alguidares de barro e quando jogávamos ao stick , dávamos uma stickada na bola, ela ia direita ao alguidar e fazia logo um buraco. Agora não há crianças, só os netos dos que cá moram, que passam o dia dentro de casa e depois vão embora”. Pelo contrário, a sua infância foi feita de festa e convívio. “O Natal é a época de que tenho mais memórias”, prossegue o morador. A sua mãe fazia as filhós, num pequeno fogão a petróleo e o pai fazia carrinhos com latas de sardinha para
ele e os irmãos brincarem.
No dia de Natal, Natália Borges de 65 anos, nascida e criada na Vila Motta com a irmã Isabel Costa, mantém a tradição de se reunir na sua casa ou o contrário. “Antigamente era mais vivo. Havia pessoas mais novas”, mas ainda continua a haver brincadeira.
No Carnaval amarram-se as portas para as pessoas não saírem, na passagem do ano batem-se as latas e no verão monta-se uma piscina. Quando a Serração que existia na Rua Soares dos Reis, onde agora se localiza um jardim de infância, ainda estava em funcionamento, os mais pequenos
iam lá buscar restos de madeiras para acender a fogueira no Santo António. A tradição manteve-se, principalmente no número de pessoas: “chegam a ser 100 ou mais”.
O pai de Natália foi ardina. Vendia jornais à entrada da pastelaria Tentadora, na Rua Marquês da Fronteira, e porta a porta. “Não havia trabalho”, continua Amadeu. Também o seu pai e o tio eram enceradores. Como todos os moradores da Vila, eram oriundos da classe operária, lá moravam funileiros, sapateiros, estofadores, entre outros. Isabel Costa, chegou a ter o seu primeiro emprego aos 14 anos na fábrica de chocolates localizada ao lado da Vila, que encerrou em 1974.
Com o passar dos anos, as casas alugadas foram sendo compradas aos senhorios, que se seguiram depois de Motta, provavelmente o primeiro proprietário da Vila, pois ninguém sabe a origem do nome. Foram reconstruídas e passadas de pais para filhos e no futuro pertencerão aos netos. “Fui criado neste ambiente, não me vejo noutro lado. Sair da Vila? Como diz o outro: por favor não me faça isso!”.
Foi ali que nasceu, que se casou e teve a sua filha. Hoje Amadeu não troca o pátio por coisa nenhuma.